segunda-feira, 4 de julho de 2011

A Falta


“Sinto sua falta...”
Não conseguia avançar, não encontrava palavras. Afinal não havia mais sentimentos do que aquele, não era amor, não era amizade. Era simplesmente a falta... Pois havia acostumado-se a tê-la por perto, com o cheiro de vinho, com o olhar, com o sorriso.
Sentou-se no chão. Não havia mais nada ali. Admirava as estrelas, contemplava a lua. Pegou novamente o papel, acreditou que poderia escrever. Mas novamente não saiu daquelas três palavras. Será que só aquilo seria capaz de mostrar tudo? Tudo o que não foi capaz de escrever? Não. Era pouco demais. Ela precisava saber que não era amor, não era desejo. Era somente a falta.
Falta da conversa jogada fora, das músicas sem sentido, dos planos mirabolantes, das fantasias. Sentia falta do cheiro de vinho.
Não queria vê-la, não queria tocá-la, não queria escutar sua voz. Havia certo rancor, tudo acabara tão mal. Mas então como explicar? Saía todas as noites sem rumo, arrumava uma ou outra companhia barata. Via amigos distantes, lembrava de fatos passados. Não estava triste. Conhecia pessoas, conversava sobre assuntos novos, oferecia seus serviços. Transitava pela arte, via coisas fantásticas e esquecia-se do sorriso.
Viu o pôr do sol, sentiu o vento fresco bagunçar os cabelos, ouviu as risadas das crianças, viu os sorrisos de quem passava. Era tudo tão bonito, a água refletia o sol que sumia aos poucos no horizonte, as nuvens tomavam conta de todo o céu que tinha tons vermelhos. Reconhecia toda aquela beleza, mas não conseguia emocionar-se, sentia que faltava algo.
Era a mão dela que fazia falta, os dedos entrelaçados, a cabeça encostada no ombro, os ouvidos apurados, as brincadeiras. Sentia falta daquele cheiro de vinho.
Não conseguia dormir, não sentia sono. A televisão sempre ligada... Mas não a assistia, gostava simplesmente do barulho que se espalhava pela casa.
“Sinto sua falta...”. Tentava, em vão, escrever. Já aceitava o fato de não sair dessa frase tola. Mas precisava tentar, rodava o lápis pelos dedos, o deixava descansar sobre a mesa. Já havia riscado toda a folha, desenhos inúteis. Desenhava incansavelmente aquele sorriso. Aquele olho. Não conseguia desenhar nada além disso.
Levantava-se inúmeras vezes e mudava de canal, precisava de mais barulho. Na geladeira a garrafa de vinho já estava quase no fim, não se preocupou em pegar uma taça. Sentou-se, numa mão o lápis que fazia voltas na folha, na outra a garrafa sendo levada a boca. O sol já quase entrava pela janela, distraiu-se e por um momento, havia dormido ali por cima da folha. E descobriu enfim porque não dormia, não queria dar a chance de sonhar com ela, detestava acordar com aquela sensação. Viu a garrafa vazia, olhou o relógio... Rasgou a folha. Fechou os olhos por um segundo para, pela última vez, ver aquele sorriso, lembrar da voz suave, lembrar das mãos dadas, rir com as brincadeiras, pedir desculpas pelas brigas.
E pela última vez sentiu falta... Mas a garrafa de vinho ali vazia ainda exalava algum cheiro. Embebedava-se com aquele cheiro carregado de boas lembranças. Poderia esquecer-se de tudo, mas como esquecer o cheiro de vinho?

(Larissa Gabriel)

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